O economista Vítor Bento critica a qualidade da gestão pública, considerando mesmo que se trata de uma das grandes fragilidades da economia portuguesa ao cabo de cinco décadas de democracia.
O professor universitário e atual presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB) considera que a qualidade da governança pública é má e tem vindo a degradar-se nos últimos anos.
“Se não superarmos esta fragilidade, tudo o resto vai falhar. A qualidade é má, porque, por um lado, os aparelhos de decisão do Estado têm se partidarizado em demasia. Por outro lado, os quadros dirigentes da administração pública na administração pública, num sentido muito lato, são muito mal pagos. E depois, a sociedade em geral e sobretudo a política, trata mal os dirigentes do Estado altamente meritórios”, afirma Vítor Bento na edição especial do programa “Da Capa à Contracapa” da Renascença, que analisou os desafios económicos de Portugal ao cabo de 50 anos de Democracia. O economista diz mesmo que os grandes dirigentes do Estado nunca são condecorados.
Vítor Bento alerta que desde 2015 Portugal foi o 15.º país da União Europeia em crescimento do PIB per capita , medido em paridades de poder de compra. ” Isso acontecendo circunstancialmente, não tem importância. Acontecendo sistematicamente, ganha importância”, observa o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão.
“É verdade que nós aumentámos o emprego. Mas provavelmente aumentámos o emprego não qualificado. É importante criar as condições de retenção dessas qualificações e, portanto, das condições de desenvolvimento do país. E aí há coisas a fazer”, insiste Vítor Bento no programa da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Reformar IRC e fazer crescer as empresas
O economista defende que a subida dos salários depende também de uma estratégia de aumento da produtividade e de crescimento das empresas.
“O regime que temos, demasiado assente em pequenas e médias empresas, gera baixos salários. Se quisermos vencer o desafio da produtividade, precisamos de ter mais grandes empresas, porque de facto, estas têm a capacidade de ter escala para diluir custos fixos e, portanto, diminuir os custos de produção. Por outro lado, as empresas maiores têm otimização de processos e capacidade de inovação e de desenvolvimento”, explica Vitor Bento no programa da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
O antigo CEO do Novo Banco deteta uma cultura política e social “muito hostil” em relação às grandes empresas, baseado num ” discurso sistemático ” contra os grandes lucros.
“Os grandes lucros não significam necessariamente uma grande rentabilidade. Significam é que as empresas ‘empataram’ muito capital e as que ‘empatam’ muito capital geram mais lucros”, argumenta Vítor Bento.
Como exemplo desse constrangimento contra as grandes empresas, o professor do ISEG explica que o sistema fiscal de IRC, sendo progressivo e crescendo com o volume dos lucros, está diretamente correlacionado com o volume de capital
“Isto é uma política fiscal hostil à acumulação de capital. Em alternativa sugiro o que outros países mais desenvolvidos fazem, ou seja, que a taxa de imposto não seja progressiva. O imposto criado apenas sobre os lucros deve ser igual para todas as empresas e, portanto, que não hostilize a acumulação de capital”, propõe Vítor Bento que acrescenta que a existência de muitos benefícios fiscais é apenas uma forma de “compensar o grande desnivelamento de que é feito por esta via”.
A vantagem da periferia
Num plano global, Portugal pode vir a ser beneficiado pela sua natureza periférica, explica o economista. Vítor Bento argumenta que o país está afastado das zonas de conflito atuais, colocando-se numa periferia da Europa vantajosa pois , na prática, significa estar no centro do Ocidente.
“Isso é uma vantagem para a localização de atividades que possam vir a ter que ser transferidas do exterior, do Ocidente e nomeadamente da Ásia, para Portugal”, alerta o professor universitário.