O Governo de António Costa, então com João Leão como ministro das Finanças, solicitou e deu autorização à Parpública em fevereiro de 2021 para iniciar compras de capital dos CTT até um total de 13% da empresa com a concessão dos serviços postais, indica um ofício da UTAM apenas esta quarta-feira tornado público.
O ofício da Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial (UTAM) foi tornado público depois de o Jornal Económico ter revelado na terça-feira que o Governo, no âmbito das negociações na Geringonça (com Bloco de Esquerda e PCP) para aprovação de Orçamentos de Estado, ter adquirido secretamente uma participação nos CTT. Essa participação ascendia a mais de 355 mil ações, representa uma percentagem pequena do capital, mas nunca foi tornada pública pelo Governo ou pela própria Parpública.
No enquadramento do ofício da UTAM pode ler-se que esta operação visa a “aquisição de participação qualificada nos CTT, correspondente a um máximo de 19.500.000 ações, representativas de até 13% do seu capital social, por uma empresa pública, a Parpública, a realizar-se por orientação transmitida pelo Governo a esta empresa”.
Neste sentido, a Parpública solicitou à UTAM autorização para realizar a operação de aquisição das referidas ações, através de transação em bolsa. Ou seja, ao preço que vigorasse na Euronext Lisboa na altura da transação.
“Com base na informação atualmente disponível, esta operação deverá implicar um período estimado entre seis a dez meses, estimativa que deverá ser confirmada pelo broker a contratar. A empresa chama a atenção para o facto de este prazo ser meramente indicativo, pois pode ser influenciado por fatores exógenos, tais como oscilações relevantes da cotação, alterações dos níveis de liquidez do título, alterações significativas das condições de mercado, entre outras”, escreve a UTAM.
A concretização deste intervalo de tempo acabaria por coincidir com a apresentação, discussão e votação do Orçamento do Estado para o ano seguinte. A UTAM não faz referência a essa coincidência.
No pedido de autorização dirigido à UTAM, o ministério das Finanças teve de justificar o interesse público da operação de compra. E fê-lo afirmando que uma “intervenção do Estado através de uma participação no capital da empresa configura” um “meio para influenciar o mais adequado cumprimento dos índices de qualidade exigidos para o serviço postal”. Deixa ainda entrever que o Estado pretende influenciar as decisões da empresa no que diz respeito à “a cobertura do território”, sobretudo “assegurando que estes serviços se encontram acessíveis em todos os Concelhos do país (incluindo as Regiões Autónomas)”.
“Os serviços postais – com destaque para o Serviço Postal Universal – são dotados de um interesse e de uma utilidade públicos inquestionáveis, desde logo por desempenharem um papel fundamental para o desenvolvimento a níveis local, regional e nacional e constituírem um fator de promoção da coesão territorial e da igualdade”, começa por referir o Governo no pedido à UTAM.
Por isso mesmo, e porque não existe atualmente no mercado português qualquer outra empresa além dos CTT que seja “dotada de rede com capilaridade capaz de prestar os serviços postais de forma homogénea em todo o território nacional, é relevante criar melhores condições para assegurar que a prestação dos serviços em referência é dotada de qualidade, disponibilidade e acessibilidade, nomeadamente quanto à densidade dos pontos de acesso, aos prazos de entrega e à regularidade e fiabilidade”.
Por isso mesmo, o Governo salienta que “a intervenção do Estado através de uma participação no capital social da empresa configura, assim, um meio para influenciar o mais adequado cumprimento dos índices de qualidade exigidos para o serviço postal, designadamente ao nível de regularidade e de prazos de entrega, assegurando também que estes serviços se encontram acessíveis em todos os Concelhos do país (incluindo as Regiões Autónomas)”.
O ofício da UTAM – assinado pelo diretor Fernando Pacheco e a consultora Joana Crisóstomo – conclui que “estão suficientemente demonstrados o interesse e a viabilidade económica e financeira da operação de aquisição de uma participação social correspondente a um máximo de 19.500.000 ações, representativas de até 13% do capital social dos CTT, pela Parpública, a realizar de acordo com o supra especificado, podendo Sua Excelência o Secretário de Estado do Tesouro, querendo, autorizar a operação”.
Já o ministro das Finanças da altura, João Leão, determinou que esta compra seria feita em incrementos de 1,95%, precisamente porque se fossem de 2% o mercado teria de ser informado da operação e nome do comprador.
“Atendendo à necessidade de divulgação de informação ao mercado sempre que sejam atingidos patamares de participação qualificada a partir dos 2%, aprovo a aquisição faseada, em bolsa, de ações dos CTT pela Parpública até ao limiar máximo de 1,95%, momento em que a estratégia de aquisição deverá ser reavaliada, sem prejuízo do dever de prestar informação periódica, com inicio no final de setembro de 2021 e, a partir dessa data, mensalmente”, indicou na altura João Leão.
Quanto a preços das ações, que seriam compradas em bolsa e ao preço de mercado, Leão determinou balizas. “A aquisição referida no número anterior deverá ser realizada até ao preço máximo de 4,75 € (inclusive). Poderão ser adquiridas ações ao preço de: até 3,00 € (inclusive) por ação a um ritmo normal, até ao máximo de 1,95% de ações representativas do capital social da sociedade; entre os 3,01 € e os 4,00 € (ambos inclusive) por ação a um ritmo moderado, até ao máximo de 1,50% de ações representativas do capital social da sociedade e entre os 4,01 € e os 4,75 € (ambos inclusive) por ação a um ritmo muito moderado, até ao máximo de 0,45% de ações representativas do capital social da sociedade”.
Acima desse valor, a compra não estaria autorizada.
Em comunicado, a empresa gestora de participações públicas refere que “a compra de ações dos CTT pela Parpública, realizada até outubro de 2021, ocorreu no cumprimento dos requisitos legais, designadamente o despacho do então ministro das Finanças, precedido do parecer prévio da UTAM [Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial]”.
“O parecer da UTAM à aquisição de ações dos CTT foi favorável”, afirma a Parpública, acrescentando na nota que detém “355.126 ações dos CTT que foram adquiridas em bolsa em 2021, o que corresponde a 0,24% do capital da empresa”.