A divulgação de uma nova alta no déficit primário do setor público consolidado nesta sexta-feira (5) reacendeu alertas pelos economistas sobre a trajetória fiscal brasileira. Há uma preocupação tanto com ampliação de despesas como com a dinâmica da dívida e com as possíveis frustrações com as receitas esperadas.
O Banco Central anunciou hoje que o déficit primário alcançou R$ 37,3 bilhões em novembro de 2023, mais alto que resultado também deficitário de R$ 20,1 bilhões de novembro de 2022. Além disso, a conta negativa em 12 meses soma R$ 131,4 bilhões, equivalente a 1,22% do PIB, um dado 0,15 ponto percentual acima do déficit acumulado até outubro.
Rafaela Vitoria, economista chefe do Banco Inter, destacou dois pontos nesse quadro de deterioração. O primeiro é o crescimento de despesas permanentes, o que dificulta o ajuste fiscal somente pelo lado da receita.
O segundo é que a falta de perspectiva de melhora fiscal encarece o custo da dívida, que já elevou o déficit nominal para quase 8% do PIB. “Um efeito perverso que dificulta ainda mais a busca pelo equilíbrio fiscal, pois favorece o rentismo e diminuiu o potencial de crescimento do PIB”, escreveu em sua conta na rede social X.
Ela prevê que o déficit primário consolidado deve crescer ainda mais e fechar o ano em 1,4%, próximo de R$ 150 bilhões, isso excluindo o pagamento dos precatórios de R$ 90 bilhões determinado recentemente pelo STF.
Mesmo a melhora da relação dívida/PIB divulgada hoje pelo BC, deve ser relativizada, segundo a economista, porque o IBGE revisou para cima em dezembro a série histórica do PIB. Com isso, lembra, a dívida/PIB de 2022 caiu de 72,9% para 71,7%. “Ou seja, o resultado de novembro, de 73,8%, é uma alta de 2 p.p. no ano”, destacou.
Para o Goldman Sachs, a política fiscal claramente expansionista e a relutância do governo em controlar as despesas prejudicam gravemente a credibilidade das metas fiscais, incluindo a meta de saldo primário zero para 2024. “Além disso, uma âncora fiscal fraca e pouco confiável contribui para manter a inflação a médio prazo e as expectativas desalinhadas da meta de 3,0%”, comenta o banco de investimentos em relatório
O banco esperamos que o setor público entre ainda mais em território deficitário em dezembro – mais de 2% do PIB – e que a dinâmica da dívida bruta permaneça numa tendência ascendente nos próximos anos.
“Colocar a dinâmica da dívida numa tendência estrutural de declínio sustentado e criar reservas orçamentais continuam a ser um desafio macro fundamental. Isso exigiria excedentes fiscais primários estruturais superiores a 2% do PIB, o que contribuiria para reduzir a taxa de juro real neutra”, diz o relatório.
Estados e municípios
A XP, por sua vez, destaca a deterioração recente das contas, uma vez que o resultado era de um excedente de R$ 14,8 bilhões em setembro, passando para um déficit de R$ 20,1 bilhões em outubro, que avançou para R$ 37,3 bilhões em novembro.
Para a XP, chamou a atenção o superávit primário de apenas R$ 2,0 bilhões nos governos regionais, bem abaixo das expectativas, uma vez que era esperado o efeito de um grande repasse – de cerca de R$ 12 bilhões – do governo central para estados e municípios relacionado à compensação de prejuízos de ICMS e outros.
Duas possíveis explicações para essa frustração são que as transferências podem não ter sido registradas devido a algum atraso operacional ou que os governos subnacionais teriam um forte déficit, que seria compensado por estas transferências.
“É importante notar que os governos subnacionais permanecem em tendência negativa, uma vez que a arrecadação de ICMS continua caindo em termos reais e houve uma queda nas transferências recorrentes do governo central provocada pela menor arrecadação do imposto de renda”, destaca o relatório da XP.
Sobre o governo central, a leitura é que os dados estão dentro da visão “acima da linha” apresentada pelo Tesouro Nacional, que mostra uma combinação de alguma recuperação nas receitas devido às medidas de aumento de receitas implementadas este ano, mas um aumento muito mais forte nas despesas , uma parte relativa a transferências extraordinárias.
“Acreditamos que o saldo primário do sector público continuará a deteriorar-se no curto prazo, impulsionado pelo governo central. Primeiro, há gastos pontuais relacionados à liquidação de precatórios em dezembro, de R$ 92,4 bilhões, segundo nossas estimativas.”
Além disso, a XP comenta que as medidas de arrecadação recentemente aprovadas levariam algum tempo a produzir o seu impacto total, uma vez que algumas questões operacionais precisam de ser resolvidas. “Embora isto possa melhorar o equilíbrio do governo central, não prevemos que atinja a meta de déficit zero.”
Para o Itaú, os riscos fiscais continuam elevados com a incerteza sobre o impacto das medidas de aumento de arrecadação e dúvidas quanto ao esforço do governo para perseguir a meta de primário zero estabelecida.
O banco alerta que uma mudança precoce da meta de resultado primário e uma eventual decisão de não realizar o contingenciamento previsto no arcabouço fiscal traria um dano de credibilidade à estratégia do governo.
“E implicaria em um ajuste ainda mais dependente do aumento de receitas, em um país de carga tributária já elevada e vindo de aumento relevante de gastos em 2023 após a aprovação da PEC da Transição”, afirma o texto da equipe de análise macroeconômica.
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