“Está tudo preocupado com mercearia”. É como um dirigente socialista descreve à Renascença o ambiente pré-Congresso que começa esta sexta-feira na Feira Internacional de Lisboa e se prolonga por todo o fim-de-semana.
Os bastidores do Congresso revelam um PS a multiplicar-se em negociações por um lugar nas listas aos órgãos nacionais do partido – Comissão Nacional e Comissão Política – e, segundo a mesma fonte, está “tudo a mexer-se com as listas de deputados”.
À Renascença um deputado nota que esta quinta-feira a bancada parlamentar do PS esteve “meia vazia”, num ambiente de entra e sai para negociar listas ao Congresso.
José Luís Carneiro, candidato derrotado à liderança do PS, já tem uma quota definida de 35% de lugares garantidos nas listas aos órgãos nacionais e há que encaixar os apoiantes de Pedro Nuno Santos na quota restante.
Uma fonte socialista diz à Renascença que entre as hostes do líder do PS “estão aflitos para meter gente deles, que podem ter de ficar de fora” e que “se a lista for única e não tiverem lugar ficam mais chateados”.
Nomes como os ministros Fernando Medina ou Mariana Vieira da Silva “podem entrar pela quota do Carneiro”, admite fonte socialista, bem como a ministra Ana Catarina Mendes ou o irmão António Mendonça Mendes, atual secretário de Estado adjunto de António Costa.
Um apoiante de José Luís Carneiro diz à Renascença que é preciso “alargar o partido” e que com o ministro da Administração Interna bem integrado o PS “entra noutro espectro” e “chega a mais pessoas”. A mesma fonte socialista avisa que “isso tem de ser usado politicamente”.
Entre os apoiantes de Pedro Nuno Santos critica-se Carneiro: “Não se convenceu que o resultado que teve não é dele”. À Renascença é dito que parte do apoio que teve nas eleições internas resulta do “ódio” que um certo PS tem ao ex-ministro das Infraestruturas.
É a proclamada união do partido posta à prova.
A “liderança bicéfala”
O Congresso abre esta sexta-feira com a intervenção de António Costa, o primeiro-ministro demissionário, que aparece no programa dos trabalhos entregue aos jornalistas como “camarada”, sem qualquer referência ao cargo que ainda exerce ou ao de secretário-geral do PS, que exerceu até há algumas semanas.
À direita aproveita-se o facto de Costa estar todos os dias na rua como primeiro-ministro para questionar quem é o verdadeiro líder do PS. O vice-presidente do PSD Paulo Rangel fez isso mesmo na entrevista que deu ao programa “Hora da Verdade” da Renascença e do jornal Público, o que vem irritando os dirigentes socialistas.
Em declarações à Renascença João Torres, secretário-geral adjunto do PS, diz que se trata de uma “provocação gratuita” do PSD e recusa a ideia de que António Costa seja sinónimo de sombra para Pedro Nuno Santos.
“Há um primeiro-ministro em funções, embora demissionário, e há um novo líder do Partido Socialista e isso faz parte da própria normalidade democrática”, defende o dirigente socialista. É uma situação com que o PS vai ter de lidar, pelo menos, até ao final de março.
Pedro Nuno Santos não vai intervir esta sexta-feira no Congresso de consagração e só o fará no sábado. A sexta-feira é toda de Costa, para a despedida, para além das intervenções de Marta Temido na qualidade de líder da concelhia do PS de Lisboa e de Duarte Cordeiro, o presidente da Federação socialista de Lisboa.
Entretanto, o primeiro-ministro demissionário vai enchendo a agenda com eventos a mostrar obra feita, ou seja, não sai de cena. E isso foi notório esta quinta-feira em que num intervalo curto Pedro Nuno Santos e António Costa apareceram a falar sobre a polémica em torno da compra de ações dos CTT.
Um dirigente do PS regista à Renascença essa “descoordenação” entre os dois, valendo que ambos “disseram mais ou menos a mesma coisa” sobre um assunto que queima o novo líder socialista em plena semana de Congresso.
A mesma fonte admite que, com a permanência de Costa como primeiro-ministro, pelo menos, até ao final de março, estes episódios de sobreposição no terreno podem repetir-se. “Poder pode, mas não tem corrido mal”, remata.
Os socialistas notam que Luís Montenegro “explorou a ideia da dissonância” entre o que Pedro Nuno Santos disse entre quarta e quinta-feira e que o ex-ministro atirou para o Governo em gestão a competência para dar explicações.
À Renascença, um membro do Secretariado Nacional cessante faz notar que o ex-ministro das Infraestruturas fazia parte da coordenação política do Governo à época.
Para João Torres a polémica sobre os CTT é mais uma das “manobras de diversão da oposição” com as quais o PS não se vai “distrair”. Trata-se, para o diretor de campanha de Pedro Nuno Santos, de “um belo exemplo de uma efabulação da direita”.
Do Congresso à campanha eleitoral “sem mostrar cartas”
Dos dois discursos (pelo menos) que o novo líder do PS irá fazer ao Congresso, os socialistas esperam a habitual chapa quatro: o primeiro discurso no sábado espera-se que seja dedicado à politica pura e dura e o segundo, no domingo, algo mais programático para apresentação de propostas.
Mas não é total a confiança entre os socialistas que Pedro Nuno Santos abra o livro totalmente. À Renascença, um dirigente e antigo governante do PS diz que o ex-ministro das Infraestruturas “está entre o deslumbramento e o medo”.
Este socialista aposta que o novo líder do partido “vai para eleições sem mostrar cartas nenhumas sob o ponto de vista económico ou das grandes decisões de governação”. Para “ver o que dá” e sem se comprometer.
A mesma fonte adivinha uma campanha “centrada” no próprio líder, até porque daqui às eleições são dois meses. “É um saltinho, com debates pelo meio”, conclui.
O diretor de campanha, João Torres, não revela qual será a estratégia eleitoral, mas volta a dizer que Pedro Nuno Santos “não começa do zero”, regressando à tese que o novo líder é “herdeiro” de Costa.
Há “compromissos políticos” que “naturalmente se mantêm intactos”, diz João Torres à Renascença: a valorização de rendimentos, “de Salário Mínimo Nacional, o salário médio nacional, as pensões, investimento no Estado social, na saúde pública, na educação pública, na rejeição de de de uma ideia privatizadora para a saúde pública e para a escola pública”.
Esta tem sido a linha de Pedro Nuno Santos, que até agora não especificou nenhuma medida em concreto, para além da intenção de recuperação integral do tempo de serviço dos professores e da restante Administração Pública, mas sem dizer como.
Para um dirigente socialista já aqui referido, esta estratégia deve-se ao facto de “neste momento” estar “tudo concentrado nas condições de governabilidade”. Ou seja, no que vai acontecer no pós-eleições.
“O eleitorado de centro esquerda sabe que ele ganhando faz uma nova Geringonça”, diz a mesma fonte, acrescentando que Pedro Nuno Santos “tem de mostrar aquilo que não é: um moderado”.
No PS acredita-se que Pedro Nuno Santos pode ganhar as eleições de março, mas “o problema maior é o do experimentalismo”, admite um ex-governante socialista, que antevê que um governo do ex-ministro “será ainda mais informal e menos eficaz do que o de António Costa”.
Neste caso, há quem no PS receie que, havendo uma nova Geringonça, “os partidos à esquerda quererão ter uma pata dentro do governo” e “isso muda tudo”, admite o mesmo socialista, que acredita que “uma parte de decisão do Pedro Nuno Santos não é diferente do Bloco de Esquerda”.
“Tudo pode acontecer, depende do palácio Palmela”
Com António Costa a braços com o processo Influencer, no PS entende-se que, durante a campanha eleitoral e no pós-10 de março, “tudo pode acontecer, depende do palácio Palmela”.
É o que diz à Renascença um dirigente socialista e antigo governante, numa referência ao edifício da Procuradoria Geral da República, em Lisboa.
A liderança de Pedro Nuno Santos arranca com um PS saído de um choque tremendo relacionado com a justiça e chega ao Congresso com “uma situação atípica”, refere a mesma fonte.
“O quadro eleitoral é determinado, não pelo Presidente da República, pelo Parlamento ou por um movimento popular mas pela PGR”, conclui este socialista.
Pedro Nuno Santos não quer falar do tema na campanha, o mesmo pode valer para o Congresso, mas este socialista diz que “é imprevisível” o que acontecerá daqui para a frente. “Todos os dias vamos ter pequenas coisas”, antevê a mesma fonte.